Feriado 9 de julho e a USP – São Paulo derrotado impõe-se culturalmente

Diva Benevides Pinho
Presidente da Casa da
Cultura Carlos e Diva Pinho

A história da criação da FFCL (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras) é a  própria história da USP: ambas surgiram em 25 de janeiro de 1934, no mesmo Decreto n. 6.283, que previa também a criação de uma Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas (que só seria fundada em 1946).

Então, aquele Decreto de 1934 surgiu dois anos depois da derrota de São Paulo na Revolução Constitucionalista de 1932, e fora planejado para criar a FFCL como um modo dos paulistas voltarem à cena nacional pela cultura. Era, ainda, a afirmação cultural do “patriotismo paulista” e uma estratégia ideológica para  forjar uma vanguarda cultural de revalorização de São Paulo junto aos outros Estados da Federação do Brasil.

As instituições isoladas que já funcionavam há mais de um século, também foram incorporadas à USP – Faculdade de Direito de São Paulo (criada em 1827), Escola Politécnica de São Paulo (1894), Faculdade de Farmácia e Odontologia de São Paulo (1898), Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo (1912).  E também as Escolas, Faculdades e Institutos que ampliavam o ensino e a ação da Universidade – Institutos Biológico, Higiene, Butantã, Agronômico de Campinas, Astronômico e Geográfico, Museu de Arqueologia, História e Etnografia, e  outras instituições de caráter técnico e científico do Estado de São Paulo.

A USP significava, então, uma maneira de recuperação do poder e prestígio dos membros da elite paulista derrotada, alijados do centro decisório nacional, porém, pelo atalho da cultura, isto é, criação de um centro de formação da sociedade brasileira e de irradiação de ideais.

Júlio de Mesquita Filho, proprietário do jornal O Estado de S. Paulo, liderou o movimento de reunião das faculdades, institutos e centros pré-existentes e, ao mesmo tempo, o movimento de criação da Faculdade de Filosofia como núcleo pensante principal.

Seu cunhado, Armando de Salles Oliveira (engenheiro pela Escola Politécnica de São Paulo), interventor federal do Estado de São Paulo, assinou o Decreto 6. 283, de 25 de janeiro de 1934 de criação da USP e da FFCL dedicada à pesquisa pura e à formação de docentes para o ensino fundamental e médio em todas as áreas básicas de conhecimento.

E assim, a FFCL já surgia grandiosa, com numerosos cursos já enumerados no decreto de sua constituição – Ciências Matemáticas, Ciências Físicas, Ciências Químicas; Ciências Naturais; Geografia e História; Ciências Sociais e Políticas, Letras – Língua e Literatura Grega, Latina, Francesa, Inglesa e Alemã. Vinha, em seguida, ampla enumeração das disciplinas de cada curso.

Em 1969, todavia, a singularidade da FFCL/USP chegou ao fim com a reforma universitária do Governo Militar que desmembrou aquela unidade em várias outras das áreas de Filosofia, Letras e Humanidades – a atual Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, FFLCH, conhecida como “FEFELECHE”.

E assim, todas as áreas do conhecimento englobadas pela FFCL-USP, das ciências exatas às ciências humanas, desprenderam-se da decantada “céllula mater“ e formaram faculdades autônomas impulsionadas por forças “extra-universitárias”… Os professores de áreas diversas foram “redistribuídos” segundo suas especialidades para as Faculdades e Institutos criados ou para outras Faculdades existentes – por exemplo, professores de Direito para a Faculdade de Direito do Largo São Francisco, professores de Economia para a Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade. Lembro-me de ter encontrado  o Prof. André Franco Montoro (o pai e não o filho economista) na ante-sala do Prof. José Francisco de Camargo, então Diretor da FEA (à época FCEA, Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas) – estava ele se despedindo porque fora alocado na Faculdade de Direito, e eu, então livre-docente, representava 15 professores da Cadeira de Economia do Curso de Ciências Sociais da FFCL-USP transferidos para a FEA.

A quase totalidade do corpo docente e dos funcionários deixou a acanhada sede da Maria Antônia e, no início, alojou-se apressada e precariamente na Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira, como “hóspedes de colegas solidários” da Geografia e História, por exemplo. Em seguida, a maioria passou para barracões improvisados e lá ficou durante anos até que seus respectivos prédios fossem construídos…

O professor de Antropologia, João Batista Borges Pereira, então recém concursado, narra sua participação na  última Congregação da FFCL em 1968, antes de sua fragmentação – um “Colegiado” de uma unidade plural, onde conviviam intelectuais de diversas ideologias, ou gregos e troianos como disse – e nem sempre harmoniosamente Acrescento que, por isto mesmo, o pluralismo oferecia extensa diversidade de opiniões de experientes e respeitáveis Mestres. As reuniões da Congregação eram “enriquecedoras”, polêmicas, instigantes e não burocráticas como hoje, centradas em questões administrativas e regulamentares.

A última reunião da Congregação  da FFCL foi presidida por seu diretor, Prof. Eurípides Simões de Paula, um historiador respeitado e admirado por todos por sua competência e senso de humanidade, que combatera o nazi-fascismo nos campos da Itália, como oficial da FEB, Força Expedicionária Brasileira. E como diretor tentava resolver os problemas de todos, professores, funcionários e alunos. E naquele momento difícil da FFCL, era também o líder providencial.

Na Maria Antônia, à mesa diretora dos trabalhos da Congregação estava o Secretário Eduardo Ayrosa, e no plenário, os professores. Conta-nos o Prof. João Batista que todos trajavam terno e gravata (o plenário era predominantemente masculino) e o ambiente era quase solene dada a gravidade do momento. Duas alas de cadeiras separadas por um corredor, relativamente espaçoso, pareciam dividir propositalmente as tendências político-ideológicas do Colegiado… Então, diferentemente de sua saudação habitual, um Prof. Euripedes muito sério e tenso – que negociara e comandara a mudança apressada da Maria Antonia para o campus da Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira, no Butantã – dirigiu-se aos colegas  – “Turma…”

Essa expressão me faz lembrar a epopéia de Napoleão I, após sua abdicação em 20 de abril de 1814, quando desceu solenemente as escadarias em forma de ferradura do Palácio de Fontainebleaue e se despediu emocionado dos combatentes de sua Guarda Imperial, Les Immortels: “Soldats de ma vieille Garde, je vous fais mes adieux…”

Enfim, este texto é uma contribuição à melancólica história do encerramento da FFCL da USP em 1969, pela Ditadura Militar – uma Faculdade plural cuja independência intelectual já vinha “preocupando” os guardiães da ordem pública… Não se deve esquecer, porém, da exaltação dos ânimos nessa época, marcada pela oposição EUA-União Soviética e exacerbada pela Guerra Fria… Mas este texto é, também, uma comprovação da previsão, em 1934, quando de sua criação juntamente com a USP: um modo de São Paulo derrotado voltar à cena brasileira pela cultura.

E realmente, os fatos mostraram que, se o “monstro” FFCL desapareceu fragmentada em várias faculdades, a USP conseguiu cumprir a previsão de seus fundadores – impor-se pela cultura, não apenas nacionalmente, mas também internacionalmente: a USP é atualmente a MELHOR UNIVERSIDADE DA AMÉRICA LATINA, um respeitado “centro de excelência”, muito bem avaliado em outros diferentes rankings internacionais.

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