Diva Benevides Pinho – uma história de dedicação

Tela da série cidades

Professora Emérita e Titular do Departamento de Economia da FEAUSP, graduada e licenciada em ciências sociais pela FFLCH/USP e  Advogada formada pela FD/USP, doutora em economia, poliglota, artista… Todas essas habilidades refletem apenas uma fração do currículo da Professora Diva Benevides Pinho, cuja história de vida é um tratado de dedicação à cultura em geral e à Universidade de São Paulo em particular.

Herdeira intelectual da missão francesa que implantou o ensino de economia na USP a partir do curso de Ciências Socias da, então,  Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL-USP), a Professora sempre defendeu a economia de face humana. Seus professores da Missão Francesa sempre insistiram no aspecto humanístico dos estudos econômicos. Mas, reconheciam que a Economia enfrenta ambiguidades porque visa, ao mesmo tempo, satisfazer as necessidades humanas e produzir “bens” que precisam ser medidos, pesados, contados e vendidos segundo a lógica do mercado. Conciliar o homem-ser social com a racionalidade do homo economicus é um problema complexo, porém não impossível  em se tratando de uma ciência social.

Seu longo tempo de vivência com economistas da USP possibilitou-lhe um acompanhamento de toda a evolução do ensino da economia na FEA, inclusive como Chefe do Departamento, cargo exercido por 8 anos.

Cientista por formação e artista por vocação, seus últimos livros “A arte no Brasil e no Ocidente” e “O Mercado da Arte” reúnem seus talentos para os estudos econômicos com os da arte, assunto que domina magistralmente.

Pioneira, desde sempre, elegeu como tema para sua tese de doutorado o “Cooperativismo” e sobre ele escreveu livros e lecionou em vários países.

Aposentada, mas nem por isso distante de suas atividades acadêmicas, atua como Professora Senior do Departamento de Economia da FEAUSP, criou e preside o Instituto Carlos e Diva Pinho, composto pelo FUNCADI e pela Casa da Cultura e, ainda, patrocina um dos auditórios da Biblioteca da FEA.

Em março concedeu uma breve entrevista à revista Diálogos e Debates , na qual relata um pouco de sua história. Aproveitando a ocasião, divulgamos a entrevista Por uma economia com face humana e  convidamos a Professora para um bate-papo sobre seus novos estudos e projetos, sua disposição constante em patrocinar a cultura e seu amor pela arte e pela USP. Dividiremos com nossos leitores um pouco dessa tarde inesquecível e agradável que ela, muito bem humorada, nos proporcionou.

1 ) Foi surpreendente ler que a pintura entrou em sua vida depois de todo seu desenvolvimento acadêmico, como foi esse despertar?

Eu me interessei pela arte quando comecei a me preocupar com a aposentadoria. As empresas estrangeiras, as multinacionais, preparam as pessoas para esse momento, no Brasil nós não temos essa tradição. Minha vida inteira foi de dedicação integralíssima à USP, então tinha medo de me aposentar e achava que precisava de um “hobby”. A esposa de um dos ex-diretores da FEA dirigia uma associação de obras de caridade e eu procurei me integrar a ela. Faziam trabalhos manuais, vendiam e revertiam o lucro para  caridade. Mas eu não quis fazer trabalhos de tricô e crochê, então saí da linha de produção e comecei a fazer outro tipo de artesanato: bichinhos de pedra que eu mesma pintava e eles eram colocados à venda nas feiras de caridade. Depois de um tempo comprei um pirógrafo e só não “decorei” as portas e  janelas de minha casa porque o marido não deixou. Quando cansei disso também uma professora de artesanato me disse para tentar uma tela. Pensei que não era capaz, mas ela colocou uma  tela em minha frente e ordenou-me: Tente!  Então, desenhei o símbolo internacional do Cooperativismo, que significa também nosso sobrenome –  um pinheiro alto e frondoso que protegia um outro menor. Corri para  casa e mostrei a tela para o marido, perguntando-lhe – qual deles sou eu? Você é o grande, respondeu-me gentilmente. Gostei da resposta, embora sentisse o contrário – sempre procurei seguir seu caminho intelectual. E não parei mais de pintar.

No começo fui figurativista e paisagista, muito presa à observação da realidade. Pintei o FEA-1 em várias ocasiões, registrando as mudanças em sua fachada e nas árvores externas, mas sempre próxima do impressionismo. Em uma delas meu marido, que estava na direção da FEA, disse-me para pintar nosso prédio, mas “igualzinho”, porque eu tinha tendência à abstração. Reclamei, protestei mas acabei pintando o prédio que hoje é chamado FEA-1, tela que está na Diretoria da FEA. Na ocasião era o único prédio, mas agora há outros 5, além de um andar construído especialmente para a “Nova Biblioteca-FEA”.

Minha vontade, entretanto, era fugir do real. Comecei a ler trabalhos de História da Arte e fiz vários cursos intensivos. Na ECA, havia uma professora muito brilhante e pedi-lhe licença para assistir suas aulas – a Professora Elza Ajzenberg, hoje uma grande amiga. Estudei muito e tentei entender os mecanismos de determinação dos preços de obras de arte.

Escrevi artigos e depois um livro sobre as peculiaridades do mercado de arte. Por exemplo, um dos componentes do valor de uma obra de arte é o lugar onde é vendida. É diferente vender um quadro na Sotheby’s de Nova York, na Praça da República em São Paulo, ou em Roraima ou Acre. Além disso, devem ser considerados na “avaliação”- o material usado, a originalidade do tema, se os compradores são colecionadores ou não…

Enfim, passei para a fase da abstração, apesar dos protestos de várias pessoas amigas. Agora, parti para uma série sobre o Universo, o que me levou a novas leituras e pesquisas. Outro dia, vi na Internet um vídeo do Carl Sagan e outros cientistas que cantavam entusiasmados – “We are all connected”… biologicamente na Terra e atomicamente no Universo… Somos poeiras das estrelas e tudo no universo é energia…

Então, estou procurando uma forma de “colocar” essa energia em minhas telas… Quero pintar o que estou sentindo. Nesta fase de vôo solo, sem o Prof. Pinho, eu pinto, escrevo e estudo. E ocupo a casa toda com telas quase prontas e por fazer….

2 ) Noticiamos aqui no Blog a inauguração da Casa da Cultura Carlos e Diva Pinho, no Pacaembu,  criada com a finalidade de manter seu compromisso com o pensamento cultural e apoiar os estudos econômicos, de lá para cá como vão os trabalhos da Casa?

Completaremos o primeiro ano de funcionamento agora em agosto e estamos indo bem. Ainda não temos superavit, mas não estamos perdendo; o orçamento está equilibrado. Geralmente, uma empresa leva de três a cinco anos para dar resultados financeiros positivos, assim, estamos satisfeitos com os que obtivemos até agora.

Fiz uma pequena sociedade porque, para dirigir a Casa de Cultura, preciso ter uma pessoa jurídica, então criei o Instituto Cultural Carlos e Diva Pinho, constituído pela Casa da Cultura Carlos e Diva Pinho (Rua Almirante Pereira Guimarães, 314, Pacaembu) e pelo FUNCADI (um Fundo para captação de recursos destinados a apoiar atividades na área de Economia, do EAE ou Departamento de Economia de nossa FEA). Sou presidente do Instituto, a Profa. Lara, viúva do meu afilhado do coração, é vice-presidente e o advogado que nos presta assistência jurídica, é o Secretário Geral e Diretor Jurídico. Somos um trio que está dando certo, trabalhamos com divisão de atribuições.

Fomos procurados pela Fundação Casa Rui Barbosa, do Rio de Janeiro, para fazer o lançamento de um livro e por outra organização semelhante, da Argentina, que também fará, em breve, um evento cultural aqui. Posteriormente, eu irei à Argentina para fazer palestra e uma exposição de meus trabalhos. Então, está havendo uma procura para um intercâmbio cultural de alto nível.

Por força de minha própria formação, acho importante somar esforços individuais para realizar tarefas complexas e difíceis. Daí, o FUNCADI, um fundo de captação de recursos que organizei para retribuir à USP uma parte do que o Prof. Pinho e eu dela recebemos em formação educacional e em crescimento profissional.

Espero que outros também se sensibilizem pela necessidade de se apoiar a FEAUSP para que ela continue a ser um celeiro de novos talentos e um centro de pesquisas importantes na orientação de políticas públicas e de administração empresarial.

Eu poderia, agora, dar a volta ao mundo de primeira classe, mas já aprendi muito em minhas viagens de trabalho – ou no livro do mundo, como dizia Descartes. Agora, estou mais interessada em contribuir para que os ex-alunos e as novas gerações entendam que a USP é um centro de excelência, sim, mas que não poderá continuar dependendo apenas da verba do Estado. Por exemplo, Harvard, a maior Universidade do mundo, recebe do Governo somente 20% de seu fabuloso orçamento – o restante vem de doações de ex-alunos, pagamentos dos alunos, levantamento de fundos etc.

A USP é um complexo cujo crescimento exige um grande volume de recursos para sua atualização e reciclagem – 3 hospitais escola, um hospital veterinário, 45 bibliotecas, laboratórios especializados, centenas de cursos na Capital e em diversas cidades do interior do Estado de São Paulo, além de centros avançados de pesquisa em alguns pontos estratégicos do País e da América do Sul. Mas a USP não dispõe de recursos para manter-se como centro de excelência. Precisa de ajuda externa para não “obsolecer placidamente”, como repete o Magnífico Reitor Grandino Rodas.

Então, meu marido e eu planejamos o FUNCADI como agradecimento à USP pela oportunidade de aqui estudarmos gratuitamente em dois cursos cada um. Conversamos muito sobre esse assunto e o Prof. Pinho rascunhou um projeto do Instituto Cultural, que estou executando em homenagem a ele.

É esse exemplo de dedicação e de gratidão à USP que queremos passar aos jovens estudantes, aos colegas e aos ex-alunos.

3) Uma obra de arte é um investimento?

É um investimento de alto risco e retorno a longo prazo. É um mercado parecido com o de ações. Outro dia noticiaram a fundação de 3 novas galerias de arte em São Paulo e fui questionada sobre o  promissor crescimento do mercado de arte no Brasil. Mas nosso problema é mais complexo.

Em uma conjuntura internacional  de expectativa de declínio econômico, como a atual, a arte é  a primeira despesa a ser cortada por empresas, famílias  e indivíduos. O Brasil já atingiu 200 milhões de habitantes, entretanto metade não dispõe de poupança para gastar com arte.

Arte não é um bem de consumo, então na realidade nós temos 100 milhões de pessoas que vivem muito próximas do nível de subsistência… Há também municípios com população rarefeita, nos quais não existe mercado de arte, o sujeito compra, no máximo, uma figurinha, uma folhinha, mas não compra arte.

Onde está então o mercado de Arte? Está onde a população é mais concentrada, no Sudeste, sobretudo, no eixo Rio-São Paulo.

Há muitos municípios com potencial de compra de obras de arte, mas a longo prazo. E hoje, as pessoas muito ricas dos países pobres têm acesso ao mercado de arte via internet,  e participam de grandes leilões virtuais.

Mudou muito o panorama, pois até então, o mercado era preponderantemente anglo-saxão, alimentado pelos petrodólares que iam comprar obras de arte na Europa, principalmente na Itália, França ou Inglaterra. A internet promoveu uma “democratização” no mercado de arte – todos, no mundo inteiro, podem comprar online. E mais, proporciona o acesso a compradores muito ricos e médios dos povos não anglo-saxões.

Entre os novos compradores e vendedores, a China destaca-se como um fato novo – consegue vender no Ocidente tudo o que seus artistas produzem.

4) Pretende colocar suas obras  no mercado algum dia?

Sim, depois que tudo estiver em ordem a própria Casa da Cultura fará exposições com vendas.

Mas para fixar os preços há vários problemas a serem considerados. Por exemplo, o quadro O Grito, vale milhões pela raridade, porque o pintor não vive mais. A pintura é uma arte necrófila, quando o pintor morre o preço aumenta.

Certos artistas atingem elevados preços graças a seus patrocinadores, críticos ou por marchands. O próprio Picasso tinha um excelente marchand, sem o qual talvez ele não atingisse os preços que conseguiu.

Mas às vezes o marchand e o artista “empurram”  artificialmente os preços para cima e assombram o mundo com os altíssimos preços que conseguem, como o caso do tubarão de 2 toneladas e 5 metros de comprimento em um tanque de formol, do famoso e excêntrico artista Damien  Hirst, vendido por 12 milhões de dólares a um rico comprador, em leilão na Christie’s de Nova Yorque, casa também muito famosa!

Em apenas um ano, 131 artistas contemporâneos bateram recordes de preço em leilão, e num período de seis meses quatro pinturas foram vendidas por mais de 100 milhões de dólares cada uma.

Por que? O que motiva o comprador nesses casos? Vaidade, prestígio e poder “pesam” muito em leilão de obras de arte “únicas”… vendidas a excêntricos e ricos compradores em badalados leilões…

A explicação do mercado de arte, que é tão atípico, não pode ser encontrada só nas lições de Economia, mas precisa também do apoio de outras ciências como a Psicologia, a Sociologia, as análises comportamentais… E às vezes até da Neurociência e da Psiquiatria…

E, sem dúvida, é necessário ainda analisar os fatos –  ver os modismos e o que se passa nos bastidores das grandes Galerias e de importantes Casas de Leilão – como fez o economista Dom Thompson (professor universitário de marketing em Toronto, Canadá), autor de “O Tubarão de 12 Milhões de Dólares – A Curiosa Economia da Arte Contemporânea”.

Diz Thompson que “comprar arte a preços altíssimos é um torneio entre supermilionários  cujos prêmios são, sobretudo, a publicidade e o prestígio cultural”.

5) Observando sua história é notável seu perfil produtivo, o que esperar daqui para frente? Já existem novos planos?

A partir do momento que comecei a me inspirar no Universo tenho lido muito. Acompanho a coluna semanal de Marcelo Gleiser na Folha de São Paulo e fui atrás das obras dele na internet. Fiquei encantada, também, com os estudos de Carl Sagan e seus vídeos no YouTube.

Além dessas incursões de amadora em trabalhos de astrofísicos, comecei agora a fazer umas telas temáticas para os eventos que a Profa. Lara está preparando em nossa Casa da Cultura. Por enquanto já fiz alguns ícones do Japão e da França, agora preciso analisar os simbolismos mais significativos de outros países.

Faço, também, as apresentações dos eventos da Casa da Cultura. Para isso preciso me informar sobre o tema de cada evento. Por exemplo, no caso de intercâmbio cultural com uma Fundação Argentina, comecei a ler a respeito de sua história econômica para entender o paradoxo de Buenos Aires, uma importante metrópole mundial tipicamente urbana e de cultura européia, em um país agrário-exportador. São reflexões sobre determinados aspectos econômicos, sociais e culturais que agora me chamam a atenção.

Alterno duas atividades que não consigo realizar  simultaneamente – ler/escrever ou planejar/executar/pintura em tela. Prefiro, entretanto, escrever. Outro dia, para atualizar meu curriculum Lattes, entrei no Google Acadêmico e tomei consciência do quanto tenho trabalhado…

E não faço mais as longas viagens ao exterior nas quais o Prof. Pinho e eu conciliávamos trabalho e lazer. Agora dedico-me especialmente à Casa da Cultura. E graças ao trabalho não caí em depressão, apesar das perdas afetivas…

Faço fisioterapia três vezes por semana – uma maneira de manter-me em movimento e também movimentar  a energia de minha casa…  Venho quase semanalmente à Cidade Universitária para participar, como associada fundadora, dos trabalhos da Amefea (Associação de Amigos de nossos três Departamentos) e acompanhar o dinamismo revigorante de nossa FEA – uma Faculdade criativa que produz muito, nunca para, nem participa de suspensão de trabalhos “ordenada” por grevistas….

Cultivo a solidariedade e a paz, respeito os princípios éticos e sociais, e agradeço a energia revigorante do Universo, mas sem exagero místico. Conto com uma equipe dedicada e eficiente na direção de nosso Instituto Cultural.  E a presença constante de minha Dalai (a cachorrinha da foto), que é muito dócil e me acompanha  nos eventos de nossa Casa da Cultura.

Livros sobre o assunto disponível em nosso acervo:

A arte no Brasil e no Ocidente –  Diva Benevides Pinho – 2009. 709^P654a

Mercado de arte: ensaio de economia da arte – Diva Benevides Pinho – 2009. 338.477^P654m

Arte como investimento – Diva Benevides Pinho – 1989. 338.477^P654a

The economics of art end culture: an american perspective – James Heilbrun e Charles M. Gray – 1993. 338.477^H66e

Link para o artigo Economia da arte – Diva Benevides Pinho – 2007: http://www.fipe.org.br/publicacoes/downloads/bif/2007/9_15-17-div.pdf

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Economia da arte, um álbum no Flickr.

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